sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Cotidiano



Colou o rosto na cama implorando uma folga. Daquela gente, daquele mundo. Queria se livrar ao menos por um dia, ser outra pessoa. Levantou rápido como sempre, devagar não conseguiria, precisava do choque. Caminhou até o banheiro, coçou os olhos e pediu de novo, uma folga por favor. Mas quem ouviria aquela voz roca de manhã com hálito ruim? Limpou o rosto e decidiu que hoje ia ser diferente.
Foi pegar o ônibus no mesmo horário, na mesma pressa, no mesmo atraso. Até ai tudo igual. Olhou para o lado,  não hoje. Resolveu percorrer as ruas com olhares detalhados, estava ali todo dia e nunca tinha visto. Parecia outra cidade. Apesar das pessoas apressadas em todo lugar, se recusava a se tornar alguma delas. É muito deprimente. Olhou para o relógio, não podia se atrasar. Mas não é como sempre quisera, com vontade. Era sempre planejado, obrigado, necessário. Rotina cansa.
Espremeu as pálpebras e percebeu que estava a chegar, atrasado, como previa. Abriu o caderno, olhou as matérias. Levantou, viu aquelas belas casas que nunca tinha se permitido admirar. Aquelas árvores grandiosas cheias de frutos que nunca imaginou estarem ali. Os alunos magros e encolhidos, que apesar de já terem escultado o sinal do colégio, caminhavam lentos e desatentos. Nostalgia. Poder fingir não se importar com mais nada, bancar a rebelde sem causa, a oposição contra o sistema.
Sorrio de como tudo tinha se transformado, da mutação que a vida se obrigou a sofrer. Os horários não flexíveis, os professores rígidos, as matérias difíceis. Queria largar tudo isso, ter uma vida nova, tornar-se um ser humano novinho em folha. Com promessas sem expectativas de decepções, com inocência, esperança e sonhos gigantes. Queria nascer novamente, se pudesse. Ou, ao menos, ir a uma terra distante onde fosse indiferente a todos, e vice versa.
Não hoje. Tirou o passe e entrou dentro do ônibus. É o futuro agora, não dá mais pra adiar. E, no entanto, sorrio para si mesma. Por perceber como o presente consegue ser o mais cruel das realidades. De como conseguiu esmagar todos os sonhos do passado e, ainda, fazê-la escrava almejando o futuro. Se isso for a vida, pensou, então era melhor nem ter conhecido.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

se deram ao trabalho de ler